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O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Centro de Memória Procurador de Justiça João Marcello de Araújo Júnior (CDM/MPRJ), realizou, nesta quinta-feira (15/10), por meio da plataforma Teams, a gravação virtual da 11ª edição do projeto Personalidades do MPRJ. O programa teve como convidados os procuradores de Justiça aposentados Leny Costa de Assis e Luiz Sérgio Wigderowitz, e tratou do tema 'Duas visões no combate ao crime'. Apresentado pelo procurador de Justiça Márcio Klang, coordenador do CDM/MPRJ, o Personalidades busca resgatar a história da instituição e de importantes pessoas que contribuíram para a construção do Ministério Público Fluminense.
Logo no início, o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, que acompanhou toda a gravação, ressaltou a satisfação de participar do evento, elogiando o trabalho desenvolvido por Márcio Klang à frente do Centro de Memória, pautado pelo resgate e devido registro de páginas e personagens importantes na história do MPRJ. Em seguida, destacou o perfil de ambos os entrevistados. "Leny Costa de Assis sempre foi uma dama, pessoa participativa, atuante, uma voz eloquente entre os colegas. Luiz Sérgio, por sua vez, é um ícone da nossa instituição. Membro extremamente gentil, ético e técnico, tendo representado o parquet fluminense tanto interna quanto externamente", resumiu.
Instigada pelo entrevistador, Leny iniciou seu fala pela autodefinição. "Sou uma mulher que acredita no lado bom da vida, e que o ser humano deu certo. Que a fé e o amor são os pilares de uma sociedade humanizada. O que é mal, o que é ruim, aparece porque o esgoto está sempre acima da água, tende à superfície. Acredito na maioria da humanidade. Isso me dá fé", descreveu-se, lembrando do início de sua vida profissional, aos 17 anos, como professora, categoria comemorada justamente no dia da gravação do Personalidades. "A vontade de melhorar o mundo surgiu desde cedo em mim. É maravilhoso perceber os avanços dos alunos a cada final de ano. O professor transmite conhecimentos, valores e comportamentos. A educação é a solução para todos os problemas no país", defendeu.
Na sequência, recordou de sua formação na antiga Faculdade Nacional de Direito, atual UFRJ, em 1968, mesmo ano em que foi decretado o AI-5 pelo governo militar, que ampliou as restrições aos direitos civis. "O paraninfo de nossa turma era o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o que fez com que os nossos convites fossem riscados. E nossas festas, proibidas. Tivemos apenas uma solenidade ecumênica", recordou Leny, que também resgatou na memória seu ingresso no Ministério Público da Guanabara que, na década de 1970, ainda ocorria por meio de concursos prestados para a Defensoria.
"Eu buscava uma forma de atuação mais participativa no ponto de vista social. Fiz concurso para a Promotoria do antigo estado do Rio e outro para a Defensoria, onde minha passagem foi muita rápida, pois havia obtido ótima classificação. Quando cheguei para trabalhar, soube que não havia gabinete, nem sala, praticamente nada. Peguei minha varinha de condão e transformei um ambiente numa sala. Chamei o almoxarifado, pedi cadeiras e escrivaninhas. E ali, naquele cercadinho, muitas vidas foram transformadas. Foi bom, pois me mostrou que devia estar ali para lutar, não para usufruir. Lutar pela Justiça, pelo que é justo. Afinal, a Justiça é uma das faces de Deus", apontou.
Leny lembrou ainda de sua atuação no caso Bateau Mouche, naufrágio que resultou na morte de 55 passageiros em Copacabana, na virada do ano de 1988 para 1989. Um processo de grande repercussão nacional, e de muito aprendizado profissional. "Foi uma experiência rica no sentido do pleno exercício do Ministério Público, na parte investigatória, junto com a Polícia. Acompanhei pessoalmente as perícias, o que não era comum naquela época. Termos atuado no inquérito desde os primeiros momentos foi algo importante para elucidar toda a verdade, até apresentar a denúncia", disse, lamentando, no entanto, que os réus tenham sido absolvidos e fugido do país e que, até hoje, a maioria das indenizações não tenham sido pagas.
Na fase de perguntas do público, que acompanhou a gravação pela plataforma Teams, a procuradora detalhou o processo de formação de grupo especial, que resultaria no atual Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ), com especial atenção ao tráfico de drogas e sequestros - este, prática em alta naquele início da década de 1990. "Também neste caso, os membros do MPRJ acompanhavam tudo ao lado da polícia, desde os primeiros passos das investigações até o estouro dos cativeiros", relatou, seguindo com a constatação de que, hoje, o enfrentamento ao crime organizado, com grande poder econômico e infiltrado em diversas estruturas, apresenta outras dificuldades.
Segundo entrevistado do programa, Luiz Sérgio Wigderowitz também enfrentou o desafio proposto por Márcio Klang, e descreveu assim o próprio perfil. "Sou um sonhador, idealista. A vida inteira lutei pelo bem comum, pelo cultivo da consciência do outro que, sim, é igual a todos nós, nosso irmão. Servi ao MPRJ o quanto pude, por 41 anos. Ingressei em 1963 e, assim como a Leny, na condição de defensor. Tenho uma tese pessoal, e que nem sempre agrada a todos, de que, para chegar a ser um promotor ou juiz, todo profissional deveria passar um tempo na defensoria. Promotores e juízes lidam muito com papéis, enquanto defensores lidam com gente. Muitas vezes, pessoas carentes, passando por dificuldades".
Muitas foram as dificuldades enfrentadas. No campo do combate ao crime organizado, Luiz lembrou de entraves interpostos pela legislação da época, que exigia dos promotores de Justiça a criação de novas formas de combate. "Havia ainda, como descrito pela Leny, os problemas de falta de estrutura. Quando ingressei, não havia ainda o prédio da Erasmo Braga. Assim, a Defensoria e o MPRJ não tinham salas, gabinetes, nada disso. Só quem tinha gabinete era o juiz, e havia a sala de audiências. Eu mesmo usava uma máquina de escrever portátil que ganhara do meu pai, na época da faculdade... E, muitas vezes, tive que redigir à mão algumas peças", afirmou.
Apesar de preferir atuar no 'front' de batalha a desempenhar funções de cunho burocrático, Luiz Sérgio Wigderowitz, ao longo das mais de quatro décadas de MPRJ, foi convidado por vários procuradores-gerais de Justiça para trabalhar no gabinete. "Hermano Odilon dos Anjos me convidou para assumir a direção-geral de Secretaria, e disse que eu teria liberdade para escolher meus auxiliares. Convidei alguns colegas, muitos jovens, ainda promotores ou defensores. Daí, um fato curioso: o pessoal mais antigo, tradicional, com mais tempo de carreira, apelidou nosso grupo de trabalho como a 'creche do Hermano', pois não éramos ainda procuradores", contou, arrancando risos do público que acompanhava a gravação.
As entrevistas foram encerradas com uma espécie de alerta de ambos. "Trago comigo uma preocupação: o Ministério Público não pode ser autofágico. Já acontecia antes mas, a partir da carta de Ipojuca, de 2012, passei a observar que um maior número de colegas passou a se recusar a falar numa série de processos, entendendo que não haveria interesse público que devesse ser tutelado pelo MP. Não se dão conta de que o MP brasileiro chegou aonde chegou porque soube ocupar espaços, ser útil à sociedade, que hoje reconhece o seu valor. Não deve abrir mão de ocupá-los", defendeu.
Leny concordou com a afirmação do colega. E foi além. "Essa postura exclusivista não pode ser aceita, pois vai contra a Constituição de 1988, que estabeleceu o MP como defensor da sociedade democrática. Há, sim, interesse público em tudo o que fazemos. Cuidamos do ordenamento jurídico, para que seja aplicado de forma justa, dos direitos das crianças, dos idosos, dos internados em hospitais psiquiátricos. Do outro lado, o que existe, de forma geral no mundo e, também no Brasil, é o interesse em diminuir a nossa instituição a cada instante. Isso não me aflige. Enquanto existir a tendência humana de infração das normas legais, teremos inimigos. Lutemos. Ninguém vai acabar com o Ministério Público. Hoje, a sociedade sabe que pode confiar em nós, pois estamos alertas, a postos", sentenciou.
Por MPRJ
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