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O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) promoveu, na sexta-feira (09/11), no Auditório do Edifício-Sede, a Reunião Temática “Comitê Rio Fórum de Saúde CNJ - Financiamento do SUS”, na qual foram debatidas propostas para o financiamento da saúde pública no país, em especial pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A realização do encontro, por inciativa da promotora de Justiça Anabelle Macedo Silva, titular da 6ª Promotoria de Fazenda Pública da Capital, faz parte da agenda do Comitê Rio do Fórum de Saúde do CNJ, no qual a promotora de Justiça Anabelle Macedo Silva atua como representante do MPRJ, tendo contado com apoio do IEP e dos Centros de Apoio Operacional Cível e Saúde.
O Fórum de Saúde faz parte da agenda empreendida pela atual administração, que prioriza o diálogo constante com diferentes setores da sociedade civil, entre eles profissionais de saúde, gestores do SUS e representantes da Academia, em busca de soluções eficientes, transparentes e resolutivas para os problemas que afetam a população do Estado do Rio.
Na abertura do encontro, o procurador-geral de Justiça interino, Ricardo Martins, lembrou que, por ser um direito humano fundamental, não é possível falar em dignidade da pessoa humana sem que o Estado garanta saúde ao cidadão. “Lembro que fui responsável por um inquérito civil que apurava a ausência de repasses constitucionais pelo governador do estado para o setor de saúde em 2014 e constatei toda a dificuldade que o MPRJ, o Judiciário e o governo enfrentam para dar o mínimo de dignidade para a população que precisa dos hospitais públicos. Por isso, é muito importante ver que os atores do Direito estão lutando para reverter este quadro”, destacou o PGJ interino.
Compuseram a mesa de abertura, além de Ricardo Martins, as promotoras de Justiça Denise Vidal, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Saúde (CAO Saúde/MPRJ); Barbara Salomão Spier, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis (CAO Cível/MPRJ); Anabelle Macedo Silva, titular da 6ª Promotoria de Justiça de Fazenda Pública da Capital; o secretário estadual de Saúde do Rio, Sérgio Gama; e a juíza federal Maria Amélia Senos, coordenadora do Comitê Rio do Fórum de Saúde do Conselho Nacional de Justiça.
Fenômeno da judicialização inspirou criação de Fórum
Anabelle Macedo Silva agradeceu a contribuição dos órgãos presentes para a organização da reunião, esclarecendo tratar-se de evento inserido na agenda do Fórum de Saúde do CNJ, tendo sido o Fórum "instituído após audiência pública realizada em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal para tratar do fenômeno da judicialização da saúde, com ações individuais e coletivas para garantia do acesso a serviços públicos de saúde”. No Rio, o comitê reúne representantes do MPRJ, Justiça, Ministério Público Federal, Defensoria Pública Federal e Estadual e representantes de entidades de saúde. “Vamos refletir sobre como está posta a realidade do complexo e dramático cenário de restrição orçamentária e financeira que gera redução da acessibilidade aos serviços de saúde e aumento das ações judiciais no setor”, declarou a promotora de Justiça.
Sérgio Gama parabenizou o MPRJ pela atitude de discutir o financiamento público na área de saúde, lembrando que essa é uma questão crucial para o funcionamento da rede estadual. “Enfrentamos uma dificuldade muito grande e, com muito trabalho, mantivemos o atendimento de toda a rede. E procuramos agora melhorar cada ponto crítico, principalmente no que tange à alta complexidade, que é responsabilidade do estado. A meu ver, existem vários equívocos no financiamento da saúde. Os serviços são remunerados por incentivos e não por produção. Precisamos discutir como o recurso está sendo gasto. Além disso, a Tabela SUS continua com um valor inviável para realizar procedimentos”, avaliou.
Maria Amélia Senos lembrou que a questão do financiamento tem sido extremamente relevante no momento atual. “Essa é uma questão complexa, não é algo fácil de compreender. Temos o agravante da emenda constitucional 95/16, com todo o impacto financeiro que trouxe para as áreas da saúde e da educação e merece toda a nossa preocupação. Temos que louvar essa iniciativa do Comitê e do MPRJ, nosso parceiro de primeira hora e encaminhar as ideias que surgirem a partir destes debates para os gestores públicos”, afirmou.
Teto de gastos criticado
Primeira palestrante a expor suas ideias através do tema “Impactos da Emenda Constitucional 95 na Sustentabilidade Financeira das Ações e Serviços Públicos de Saúde”, Elida Graziane, pós-doutora em Administração Pública pela EBAPE/FGV e procuradora do Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, adotou um tom crítico ao falar da emenda 95/16, que estipula um teto de gastos do governo federal para as áreas de saúde e educação.
“Os movimentos de regressão dos recursos da saúde são estruturais e trazem uma verdadeira guerra fiscal de despesas. Daqui a pouco vão fazer o Fies do SUS para o mercado abocanhar a miséria da população que não é atendida. Nós estamos esvaziando o que é direito universal. O SUS agora é basicamente um direito dos mais pobres. Um SUS pobre para pobres. Se o habeas corpus é cláusula pétrea, o piso da saúde também é. Temos que defender essa tese no Judiciário. O Estado existe para dar direito à liberdade e à propriedade ou para oferecer saúde e educação? O que está em debate é qual o papel do Estado brasileiro. Para que ele arrecada tributos? Sem dinheiro não se fazem direitos”, disse.
Ainda segundo a procuradora do MPContas/SP, a destinação dos recursos do Orçamento define as prioridades de uma nação e, por isso, as consequências da emenda 95/16 são severas para o atendimento público de saúde no país. “Abaixo da Constituição, a lei mais importante da República é a do Orçamento, porque determina o que é prioridade para a nação, já disse o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto. O nível de gastos sociais do Brasil vai se equiparar aos gastos da África Subsariana com a emenda 95/16. A Procuradoria Geral da República afirmou, no relatório que propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5595, que contesta a emenda, que o financiamento público não pode deixar de ser progressivo a menos que a o atendimento seja universal e igualitário, como diz a Constituição. É preciso lembrar que responsabilidade fiscal serve para melhor prover os direitos fundamentais”, finalizou.
Integrante do Grupo Executivo da Conta de Saúde, a médica Maria Angélica Borges sustentou em sua palestra “Gastos do SUS por finalidade por esfera administrativa em uma perspectiva comparada: 2010/2014”, que a crise da sustentabilidade do financiamento da saúde não é nova tampouco nacional. “Há 50 anos, diversos países começaram a comparar seus gastos com saúde e viram que eles aumentavam bem mais do que crescia o Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, essa é uma questão que tem sido discutida, esse equacionamento de gastos, de uma maneira muito profunda ao redor do mundo. E uma das principais premissas sobre o tema é que o nível de receitas necessárias não é determinado pelo nível de desenvolvimento do país mas pela política fiscal e pela escolha política de cada nação”, declarou.
Segundo Maria Angélica Borges, os Três Poderes têm atuação decisiva na questão do financiamento da saúde. “O Judiciário implementa a judicialização. As emendas parlamentares criam obrigações que impactam no saldo para instrumentalizar o SUS. Precisamos ficar atentos a diversas medidas que estão sendo tomadas pelo Legislativo em acréscimo à redução do financiamento do SUS. Existe uma enorme desigualdade na capacidade de financiamento entre os diferentes municípios. Além de ter que lidar com a questão do retrocesso no financiamento temos que lidar com essa desigualdade”, pontuou.
Subfinanciamento no Estado do Rio
No turno da tarde, foi promovido o debate “Financiamento do SUS e Execução Orçamentária”. O titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital e coordenador do Laboratório de Análise Legislativa (LAL/MPRJ), promotor de Justiça Daniel Lima Ribeiro, fez um panorama da atuação do MPRJ no caso do subfinanciamento da saúde no Estado do Rio. “A principal ação teve início em 2016, contra o estado, por não aplicar o percentual mínimo de 12% da receita mensal em despesas na área. A ação também continha outros pedidos, como impedir o estado de fazer limitações de empenho ou de contingenciamento na saúde” disse, acrescentando outra irregularidade, referente ao descumprimento da Lei Complementar 141/12, que determina que o Fundo de Saúde deve ter uma conta bancária exclusiva e ser a única unidade orçamentária e gestora dos recursos da pasta.
O promotor de Justiça conta que houve um longo período de negociação entre as partes. Segundo ele, as propostas do estado eram em cima de um número fixo, o que impossibilitava uma solução. “O MPRJ sempre foi contrário a isso, porque a questão não era de impossibilidade financeira, mas desvio de recursos vinculados”, explicou, acrescentando que, meses depois, o órgão apresentou uma nova proposta, a partir da elaboração de um relatório técnico que testava novos métodos. “Mudamos, por exemplo, a forma de obtenção dos dados. Começamos a acessar diretamente a base de despesa do estado, com o intuito de o engajar na discussão sobre suas escolhas”, destacou.
Além disso, o documento buscava convencer o juízo que a motivação para a não aplicação do percentual mínimo na saúde não era uma questão de impossibilidade, mas de escolha. “Quando o estado dizia que não conseguiria pagar os 12%, na verdade ele estava escolhendo aplicar essa diferença percentual em outra despesa”, explicou o promotor de Justiça Daniel Lima Ribeiro. Segundo ele, com esse trabalho foi possível influenciar a mudança de entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ) sobre o que pode ser computado como aplicação mínima de receita para cumprir os 12% do setor. “Isso foi um fato inédito para o MPRJ. Conseguimos trabalhar em integração e harmonia com o TCE, e falamos de um assunto que é da expertise dele, conseguindo influenciar uma mudança”, comentou.
A palestra de encerramento foi promovida pela médica da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fiocruz, Joyce Schramm, que falou sobre “Políticas de Austeridade e seus impactos na saúde”. Para ela, o Brasil tem um subfinanciamento crônico no sistema de saúde, que acaba influenciando no perfil de adoecimento populacional. “É importante compreender que dinâmica é essa que estamos lidando, porque, se não compreendermos, vamos continuar falando que o grande vilão do SUS é o planejamento e a gestão quando, na realidade, acredito que está faltando leitura epidemiológica dentro do sistema”, observou.
O Fórum da Saúde é coordenado por um Comitê Executivo Nacional e constituído por Comitês Estaduais, que se reúnem para debater as questões que levam à judicialização do setor. A fim de subsidiar com informações estatísticas os trabalhos do Fórum, foi instituído, por meio da Resolução 107 do CNJ, um sistema eletrônico de acompanhamento das ações judiciais que envolvem a assistência à saúde.
(Dados coletados diariamente)