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O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Centro de Memória Procurador de Justiça João Marcello de Araújo Júnior (CDM/MPRJ) , realizou na quinta-feira (30/11), mais uma gravação do projeto Personalidades do MPRJ. A entrevistada do segundo programa foi a procuradora de Justiça Jarcléa Pereira Gomes, já aposentada e primeira mulher a tomar posse no Ministério Público, ainda no antigo Estado do Rio de Janeiro, em 1963. O talk show é apresentado pelo procurador de Justiça Márcio Klang, coordenador do Centro de Memória. A gravação ocorreu na Associação do Ministério Público (Amperj) e o programa será veiculado no canal oficial do MPRJ no Youtube, no final de dezembro.
Minutos antes do início da gravação, Luciano Mattos, presidente da Amperj, destacou a importância daquele momento, e enalteceu o perfil da convidada. “Gostaria de dar as boas-vindas aos associados e convidados aqui presentes, e parabenizar o MPRJ, na figura do procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, por essa iniciativa de perpetuar, por meio de entrevistas em vídeo, as destacadas trajetórias de servidores que ajudaram a construir a história do MPRJ. Recebê-los aqui, neste auditório, é motivo de orgulho e muita honra”, afirmou. Em tempo, o convidado de estreia do Personalidades do MPRJ foi o procurador de Justiça aposentado Everardo Moreira Lima, cujo programa encontra-se disponível no canal do Ministério no Youtube.
Ao longo da entrevista, Jarcléa Gomes demonstrou memória excepcional para quem já soma 87 anos, e deu provas contundentes de seu bom humor. “Naquela época quase não havia concurso para ingresso no Ministério Público, mas eu não queria entrar por indicação, pois não queria ficar devendo favor a ninguém. Por isso, esperei a divulgação de um edital para promotor, o que aconteceu em 1959. Fiz minha inscrição no concurso, que foi deferida, até que aguardei a data da prova, que foi aplicada em Niterói. No dia, tomei um susto. Parecia até jogo de futebol: só havia homens! Encontrei apenas uma concorrente”, recordou ela, arrancando risos da plateia.
Aprovada na primeira avaliação, Jarcléa ainda teve que ouvir uma pérola de um dos membros da banca, antes de prosseguir para as próximas etapas da seleção. “Ele disse textualmente que era melhor eu desistir do concurso, pois eu iria causas muitos problemas, uma vez que não havia presença de mulheres no Ministério Público. Isso nem passou pela minha cabeça, é claro. Meu sonho sempre foi ingressar e trabalhar na instituição”, disse.
Além do conhecimento, que lhe garantiu a aprovação no concurso, a então candidata ainda teve que ter muita paciência para aguardar a sonhada nomeação, que só viria quatro anos depois. “Naquela época existia a figura dos ‘promotores adjuntos’, que não eram concursados. Claro, sob o risco de perderem seus postos de trabalho, eles se mobilizaram e entraram na Justiça, o que atrasou a nomeação da minha turma de concursados. E, vejam só, minha nomeação, mesmo com tanto atraso, ainda saiu errada, para um cargo que não existia. Por essas e outras sempre disse ao colegas que eu era uma verdadeira ‘pé-frio’”, brincou mais uma vez.
Carinhosamente chamada de ‘Eva do MPRJ’ por seu pioneirismo na casa, Jarcléa Gomes revelou seu contentamento diante do fato de que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro mostra-se, cada vez mais, feminino. Atualmente, as promotoras e procuradoras estão em maior número que seus pares homens. “De certa forma, acho que ajudei a abrir um caminho. Semeei e hoje elas estão colhendo os frutos”, festejou a procuradora aposentada, citando nomes de colegas igualmente pioneiras, como Amélia Duarte.
Em quase três décadas de atividades no MPRJ, Jarcléa Gomes passou por inúmeras comarcas, tais como Barra do Piraí, Piraí, Volta Redonda, Magé, Campos dos Goytacazes, Cambuci, Nova Iguaçu, Niterói e Resende. Da passagem por Mendes, pequeno município fluminense, ela se recordou de uma história curiosa, hoje até engraçada, mas que exemplifica bem o preconceito muitas das vezes enfrentado pelas promotoras pioneiras. “Havia um político muito influente, poderoso, que fez algumas falcatruas, que denunciamos. Executei um trabalho de investigação minucioso, apresentei a denúncia e ele acabou preso. No momento da prisão, porém, chegou a declarar que ‘era uma humilhação ser preso por uma mulher’. Ou seja, se a denúncia tivesse partido de um promotor homem, pelo visto, estaria tudo bem...”, recordou.
Em todas as áreas em que atuou, a Vara de Família era que mais mexia com a sensibilidade da segunda entrevistada do Personalidades do MPRJ. “Às vezes, algumas situações cortavam o coração. Infelizmente, era muito comum que os pais colocassem os filhos como ponto central da discórdia”. E ainda um casal que brigava demais, pois um queria ficar com o fogão, outra com as panelas. Nunca entendi aquela situação. Afinal, de que adiantava permanecer com um utensílio, sem mais ter o outro?”, lembrou ela, em mais um prova de sua memória e senso de humor.
Formada pela PUC-Rio, Jarcléa Gomes reconhece a importância da disciplina na formação de seu caráter. “Minha educação foi muito rigorosa, havia muitos militares na minha família. Ainda por cima, estudei num colégio de freiras, na Tijuca”, descreveu para em seguida, lembrar-se do período pós-1964. “Durante a ditadura militar, que muitos, por eufemismo, preferem chamar de regime de exceção, houve muitos impactos na atuação do MPRJ. Foi um tempo de quebra da democracia, de muitas incertezas e inseguranças. Tivemos até mesmo que aprender a decifrar termos novos, como ‘aparelho’, que era o enconderijo dos artistas e militantes, e ‘araponga’, aquela pessoa que denunciava”, pontuou ela, reforçando a tese de que aquele foi um período que não deve jamais ser repetido.
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