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O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Instituto de Educação Roberto Bernardes Barroso (IERBB/MPRJ), transmitiu, na manhã desta sexta-feira (13/08), o encontro virtual 'Violência Psicológica - Novo Crime'. Foi debatida a Lei 14.188/2021 que, desde 28 de julho deste ano, formalizou o tipo penal para a violência psicológica contra a mulher, com pena de seis meses a dois anos e pagamento de multa. Em casos mais graves, a condenação pode ser ainda maior. A coordenação dos debates ficou a cargo da procuradora de Justiça Carla Araujo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAO Violência Doméstica/MPRJ). A íntegra do evento está disponível no canal do IERBB/MPRJ no Youtube.
A primeira palestra foi proferida pela juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ), Renata Gil, também presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que tratou da conquista da tipificação penal da violência psicológica contra a mulher, dentro do Pacote Basta, aprovado no Congresso Nacional. Além da questão da violência psicológica, as propostas elaboradas pela AMB trataram de tornar o feminicídio crime autônomo; tipificar a perseguição, também conhecida como 'stalking'; determinar que o crime de lesão corporal passe a ser apenado com reclusão e criar o Programa de Cooperação 'Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica'.
"Precisamos ter uma atenção mais qualificada para o tema. E, para isso, nada melhor do que aqueles que operam o sistema de Justiça poderem contribuir com o Legislativo na formulação de leis. A questão da violência psicológica tramitava há sete anos no Congresso brasileiro. Apresentamos o Pacote Basta em março, e conseguimos avançar. O Brasil é o quinto país mais violento do mundo contra as mulheres. E, justo por isso, precisamos desenhar uma estratégia nacional de combate a esse fenômeno, com destinação de recursos e estabelecimento de metas a cumprir. Mas, como traçar um plano nacional sem conhecer as manchas de ocorrência dessa violência pelo país? Por isso, precisamos investir em dados e estruturas adequadas, por meio das Delegacias de Atendimento à Mulher", resumiu.
Katia Rosa atua como psicóloga há 35 anos, e iniciou sua fala lembrando de estudos feitos ainda na década de 1970, utilizando animais, prática já abandonada no meio acadêmico. Os sintomas verificados à época, em animais submetidos a choques elétricos, se reproduzem em mulheres vítimas de violência. "Hoje, todos esses estudos têm nome, e estão demarcados, como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), com ocorrência de autossabotagem, instabilidade emocional, medo de abandono, sentimento de vazio, negatividade, depressões e dificuldade de concentração. São aspectos que se desenvolvem em casos de vivenciar grandes desastres ou acidentes, e nos chamados relacionamentos de padrão tóxico. No caso mais grave, o chamado TEPT Complexo, fruto da exposição crônica a abusos, somam-se vergonha, desespero, sobressaltos, sono com episódios de terror", explicou.
A palestrante, líder nacional do projeto Justiceiras, que oferece orientação jurídica, psicológica, socioassistencial, médica, e rede de apoio e acolhimento gratuita a mulheres vítimas da violência, acredita que a nova tipificação amplia profundamente a aplicação da Lei Maria da Penha. "É preciso ter a consciência de que a violência psicológica é invisível, não deixa marcas físicas, mais impulsiona o primeiro tapa, o empurrão, o uso da faca, o dedo no gatilho da arma. Na prática, a mulher ainda precisa de comprovação, precisa de provas, ter seu relato valorizado e acreditado, por meio de uma abordagem psicológica positiva, que seja empática e receptiva. É necessário escutar a vítima e que ela tenha o direito de sair com um diagnóstico. A mulher precisa ter vez e voz", defendeu.
Promotora de Justiça do MPSP, Valéria Diez Scarance Fernandes apresentou dados recentes da violência contra mulheres, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e lembrando que elas pouco denunciam os abusos sofridos, por não acreditarem ter 'provas' do crime psicológico e falta de confiança na Justiça. "Essa violência ocorre por meio de condutas banalizadas, toleradas... É o caçoar, culpar a mulher por todos os problemas, chamar de louca, ameaçar. Ela, quase sempre, não percebe que a violência está ocorrendo, pois tudo acontece aos poucos e por meio de mecanismos não declarados, de forma não evidente. Aos poucos, o agressor convence a mulher de que ela não tem saída, e ela não consegue tomar decisões, nem levar qualquer tentativa de reação adiante", lamentou.
Para a promotora, a nova tipificação era uma necessidade em nosso país, também em função da Lei Maria da Penha ser descritiva, e não punitiva. "O ideal seria que a violência psicológica fosse entendida como crime de perigo, e não de dano. Ameaças, constrangimento, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização... São fatores que sequer eram considerados crimes até então, mas agora já são tipificados. O maior desafio agora é definir o dano emocional, que aqui compreendemos como dano moral, aquele que causa sofrimento, tristeza, fadiga, perda da autoestima... Não precisa de perícia pra isso. E, veja bem: se não for assim, esse tipo penal vai cair por terra, não será aplicado, na prática. Se formos exigir laudo pericial e nexo causal, as denúncias das vítimas simplesmente não vão prosperar", apontou Valéria Diez.
Ao final, a procuradora Carla Araujo agradeceu a participação das palestrantes e fez um relato pessoal, que dá ideia da dimensão a que pode chegar a violência psicológica. "Muitas pessoas tendem a minimizar, dizendo que essa questão é uma bobagem, não relevante. Fui convidada a visitar o Instituto Nacional do Câncer. Todos sabemos que a mulher que é paciente do INCA, e passa por tratamento quimioterápico, perde cabelos, fica inchada, às vezes precisa retirar uma mama. Já recebi alguns relatos apontando que, muitas vezes, ao chegarem em casa, essas mulheres ouvem dos parceiros que 'não são mais mulheres, não servem mais pra nada. Só eu mesmo para querer ficar com você neste estado'. Este é um caso clássico de violência psicológica, de grande crueldade, que acaba com a autoestima e paralisa mulheres já fragilizadas", apontou.
A coordenadora do CAO Violência Doméstica/MPRJ lembrou os vários perfis de abusadores. "O homem que humilha, xinga, ridiculariza a mulher, o faz como exercício de poder. Outros, não podem ser contestados, e há aqueles que explodem, perdem a cabeça por qualquer motivo, como a derrota do time de futebol. E aí acusam a mulher de o terem provocado, transferindo para ela a responsabilidade da agressão. E ela não consegue se mexer. Sequer entende que aquilo é violência, não faz parte do repertório de uma relação normal. Agora, temos respaldo legal para afirmar que humilhar é crime! Ridicularizar, causar depressão... Isso tudo agora é crime. Se a Lei Maria da Penha já era considerada a terceira melhor do mundo neste campo, com a tipificação do 'stalking' e da violência psicológica, vamos subir alguns degraus. Precisamos compartilhar o conhecimento e aplicar a nova legislação em defesa das mulheres", concluiu Carla Araujo.
Por MPRJ
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