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MPRJ debate impactos da violência urbana no cotidiano escolar
Publicado em Tue Nov 28 12:02:44 GMT 2017 - Atualizado em Tue Nov 28 12:05:32 GMT 2017

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação (CAO Educação/MPRJ), realizou na sexta-feira (24/11) o V Encontro Estadual Ministério Público pela Paz nas Escolas: o direito à educação no contexto da violência urbana. Foram discutidos os impactos da violência que invade o ambiente escolar, a extensão territorial e populacional dessas ocorrências e seus efeitos sobre o processo de ensino-aprendizagem. Reunidos, promotores de Justiça, especialistas em educação, em políticas públicas e representantes das forças de segurança, apontaram possíveis formas de minimizar ou lidar com esses conflitos.

Logo pela manhã, o procurador de Justiça Ertulei Laureano Matos participou da abertura do V Encontro Estadual Ministério Público pela Paz nas Escolas, representando o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem.  Estiveram presentes também o promotor de Justiça Leandro Navega, vice-diretor do Instituto de Educação e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (IEP/MPRJ); e a coordenadora do CAO Criminal/MPRJ, promotora de Justiça Somaine Lisboa. 
 
A promotora de Justiça Renata Carbonel, subcoordenadora do CAO Educação, apresentou um diagnóstico sobre interrupções de dias letivos por conta da violência. A partir de dados  obtidos na plataforma digital “MP em Mapas” do MPRJ,  Carbonel mostrou os locais onde os conflitos se concentram. A ferramenta também foi utilizada para exibir as áreas onde houve assassinatos no Estado nos últimos três anos. As informações  deixam claro o aumento da violência e o fato de as manchas de ocorrências avançarem para áreas fora da Região Metropolitana do Rio.  
 
A análise foi possível por meio do sistema  “MP em Mapas”, disponível em aplicativo e na internet,  que permite ao usuário escolher as camadas de informações que deseja exibir no mapa interativo, entre mais de 200 opções. No contexto de educação e violência urbana, por exemplo, foi possível selecionar a exibição de uma camada com a localização de escolas em determinado bairro ou município. Ao mesmo tempo, pode-se optar por mostrar os índices de criminalidade dessa mesma região, a fim de cruzar os dois dados.
 
As informações coletadas por Carbonel corroboram o entendimento de que o problema da violência no Rio é estrutural e afeta a qualidade de vida dos cidadãos de forma desigual, uma vez que determinadas áreas são muito mais influenciadas, concentrando a maior parte das ocorrências de confrontos armados.  De acordo com a promotora, quanto mais próximo da violência, e quanto mais novo é o indivíduo, maiores são os efeitos perversos dessa exposição.  "As análises de comportamento antes e depois desses episódios deixam evidente que há um declínio no desempenho dessas crianças. A violência altera a capacidade de concentração e o controle emocional", apontou Renata.
 
Cecilia Oliveira, idealizadora do Fogo Cruzado, plataforma colaborativa que exibe o mapeamento dos locais onde houve relato de tiroteio ou disparo de arma de fogos, apresentou as áreas do Rio com maior número de registros no aplicativo. A plataforma, também integrada ao “MP em Mapas”, registrou 5.345 notificações no último ano. A especialista citou Cidade de Deus, Acari, Costa Barros, Complexo do Alemão, Maré e Penha como as áreas onde mais alunos são afetados. "Quando a gente cruzou esses dados de tiroteios com a localização das escolas, percebeu que isso ocorre muito próximo das unidades de ensino."
 
A Coordenadora do CAO Educação/MPRJ, promotora de Justiça Débora Vicente, lembrou que o encontro desta sexta-feira trouxe um tema diferente dos anteriores, na medida em que colocou uma situação que não surge na escola, mas invade o ambiente escolar e provoca grande impacto no cotidiano de alunos e educadores. Ao debater o assunto, explicou Débora, a ideia é chegar a propostas que tragam melhorias para o aprendizado e mais segurança para a comunidade escolar.
 
Irandi Pereira palestrou sobre políticas públicas de educação no contexto da violência urbana, e bateu na mesma tecla: "O tema que abordamos aqui é algo novo, que requer debate amplo, complexo e delicado".
 
A subprocuradora-geral de Justiça de Planejamento Institucional, Leila Machado Costa, também participou da mesa de abertura e complementou: "Estamos tratando de um tema altamente complexo e que merece um olhar intersetorial para que o fenômeno possa ser combatido ou minimizado". 
 
O superintendente de Educação da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, major Leonardo Mazzurana, frisou que, para enfrentar o problema da violência, as políticas públicas não podem ser pensadas apenas pelo viés da polícia. Ele destacou que a própria polícia passou a atuar no sentido de se aproximar e ganhar a confiança dos estudantes.
 
Estudos revelam diferenças de uma cidade partida
 
Após breve intervalo, o turno da tarde, com a presença de especialistas, atraiu muitos professores ao auditório do edifício sede do MPRJ. A mesa especial contou com a mediação de Eliane de Lima Pereira, da Assessoria de Direitos Humanos e de Minorias do MPRJ. Os debates foram precedidos pela exibição do trailer do filme “Nunca me Sonharam”, documentário com direção de Cacau Rhoden, que traça um panorama sobre o ensino médio nas escolas públicas do Brasil sob diferentes pontos de vista, principalmente a partir dos relatos de estudantes.
 
Eduardo Ribeiro, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, foi o primeiro a falar. “Nossos estudos mostram que o fechamento de escolas por causa da violência é verificado em algumas unidades, mas nestas ocorrem de forma muito repetida. Isso evidencia territorialidade, ou seja, que os fechamentos ocorrem de forma localizada, em áreas conflagradas”, apontou, citando locais como Cidade de Deus, Acari, Maré, Jacarezinho, Penha, Manguinhos e os Complexos do Alemão, do Chapadão e da Pedreira, entre outros. Segundo ele, a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora em alguns desses bairros, a partir de 2009, trouxe alguns benefícios imediatos para escolas das áreas mais carentes, como a diminuição do número de abandonos de alunos. “Mas temo que, com a atual crise do Estado e o declínio das UPPs, tenhamos uma queda nos avanços conquistados”.
 
Socióloga, mestre em Antropologia Social e doutora em Saúde Pública, Maria Cecilia de Souza Minayo provocou a reflexão da plateia que acompanhou atentamente as palestras. “Não há salvação para a escola fora da comunidade onde está inserida”, disse, dando conta de que, em sua opinião, a “desvalorização do professor é, também, uma forma de violência contra a escola”. E citou Agnes Heller, socióloga húngara, para justificar que, apesar das ameaças e dificuldades reais, a escola não pode se fechar, isolar-se da sociedade que a cerca, em função do medo da violência.
 
Aura Liage Souza, da Secretaria Municipal de Educação do Rio, esteve por 14 anos à frente de uma unidade escolar no Complexo do Alemão e hoje atua no desenvolvimento de medidas protetivas, estreitando os laços com a Secretaria de Estado de Segurança. “Até pouco tempo atrás, a responsabilidade de a escola funcionar ou não ficava toda nas costas dos gestores, dos diretores. Mas, como eles fechavam as escolas? A partir de que informação ou situação? Por que fechavam? Quais riscos efetivos corria a comunidade escolar? Como essas pessoas podem desenvolver suas atividades com segurança, gerando esperança? Daí, a importância de treinar e sistematizar nosso pessoal para esses momentos críticos e do ato normativo recente, que busca um ordenamento das incursões policiais nessas áreas sensíveis”, fazendo referência à Instrução Normativa n.01 de 2017, da Secretaria de Estado de Segurança.
 
Palestras de diretores de escolas emocionam público
 
Um dos momentos mais emocionantes das palestras da tarde foi a contundente apresentação de Luiz Menezes Brito, diretor da Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, na comunidade da Pedreira, em Costa Barros. Dentro da unidade, em 30 de março deste ano, uma bala perdida matou a estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos. “Uma coisa faço questão de dizer aqui: nossa escola não é violenta, nossos alunos também não. Todos sempre tivemos medo do trajeto até a escola, mas ao chegar lá, nos sentíamos seguros. Isso, infelizmente mudou. Na verdade, nosso desafio é enorme. Atendemos crianças e adolescentes que são desrespeitados por todos: pela polícia, pelos bandidos, pelos pais, padrastos... Nossa missão cotidiana, enquanto educadores, é exigir que eles nos respeitem. E que também exijam ser respeitados”, comentou.
 
Luiz Menezes contou que a região onde a escola está localizada ocupa o penúltimo lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na cidade. “A pobreza e a miséria favorecem a atuação do crime organizado. Em resposta, tentamos desenvolver atividades que levem à garotada maior sensação de prazer de estar na escola, com competições físicas, trabalhos de leitura e de música, com aulas de violão”, explicou, fazendo questão de frisar que, apesar de todas as adversidades, ainda tem muito o que fazer à frente da Daniel Piza. 
 
Flavia Rezek, diretora da Escola Municipal Rio de Janeiro, no Jacarezinho, se mostrou emocionada com a palestra de Luiz Menezes, e também ao recordar situações que já enfrentou junto com professores e estudantes. “Nosso prédio já foi atingido por balas perdidas – felizmente, sem feridos. A decisão se devemos ou não abrir é sempre um drama, pois somos responsáveis pelas vidas que estão ali. E muitos fatores externos influenciam a rotina escolar. Como o caso de um aluno nosso que, flagrado com um estilete na mochila, garantiu que não o utilizaria no colégio. Disse que dormia com a arma branca debaixo do travesseiro, apenas para defender-se de eventuais agressões do padrasto... Enfrentamos coisas desse tipo. E tentamos criar, dentro da escola, um ambiente diferente do que esse alunos vivenciam no restante da comunidade. Para muitos, a escola é mais segura que a própria casa”, aponta.
 
Natália Aguiar, diretora adjunta do CIEP Hélio Smidt, no Complexo da Maré, comunidade Nova Holanda, próximo ao Parque União, encerrou a tarde de palestras. “Os bandidos, hoje, estão muito mais próximos da escola do que há nove anos, quando comecei a atuar na região. É uma triste realidade. Andam armados perto do portão principal, fazem desmanche de carros. Faz algum tempo, para enfrentar problemas como furtos, quebras de janelas, depredação de instalações, além de acentuada evasão, decidimos trazer para dentro das escola a comunidade e os pais desses alunos. Afinal, trabalhamos por eles. E queremos, cada vez mais, trabalhar com eles. E essa estratégia tem dado muito certo. Os resultados têm sido muito positivos”.
 
Ao final, Maria Cecilia de Souza Minayo pediu novamente a palavra e fez um agradecimento emocionado ao MPRJ pelo convite para participar do encontro. E aproveitou para parabenizar os colegas de mesa, em especial, os três diretores de unidades públicas de ensino. “Vocês nos contaram histórias lindas, emocionantes, fizeram relatos de dificuldades reais. Mas transmitiram, acima de tudo, a convicção de que, sim, é possível trabalhar nesses locais, fazer a diferença. O empenho que vocês demonstraram aqui precisa de maior espaço de divulgação, para que possa se multiplicar. Afinal, todos aqui temos a certeza de que salvar essas crianças é trabalhar pela Paz”, afirmou, sob aplausos da plateia.

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