Notícia
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A prisão preventiva do ex-governador Sérgio Cabral Filho, decretada por um juiz federal, deu ensejo à equivocada ilação, induzida pelo próprio decreto de custódia cautelar, de que os mecanismos estaduais de persecução de ilícitos, nos quais se inclui a atuação do Ministério Público, não teriam funcionado a contento.
A referida prisão, como é de conhecimento público, está relacionada à acusação da prática de crimes ocorridos durante a gestão do ex-governador, que se estendeu de 1º de janeiro de 2007 a 3 de abril de 2014.
De acordo com a ordem jurídica brasileira, na esfera criminal, o governador do Estado deve ser responsabilizado judicialmente perante o Superior Tribunal de Justiça, nos exatos termos do art. 105, I, a, da Constituição da República, cabendo ao Ministério Público Federal a iniciativa da correspondente ação penal. Já, na esfera cível, a competência para processá-lo e julgá-lo por atos de improbidade administrativa é de um juiz de Direito estadual, sendo legitimado a promover a ação civil respectiva o Ministério Público do Estado, por meio de seu Procurador-Geral de Justiça, conforme dispõe o art. 29, VIII, da Lei nº 8.625, de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).
Durante o mandato do ex-governador, nem o Ministério Público Federal obteve indícios probatórios mínimos que pudessem justificar a deflagração de ações penais, nem o Ministério Público Estadual pôde ajuizar ações civis por ato de improbidade administrativa, embora tenham sido instaurados diversos inquéritos civis que, por falta de elementos suficientes de convicção, terminaram arquivados com aprovação do Conselho Superior da instituição.
Com o fim do mandato do governador, a competência, na esfera penal, deslocou-se para a Justiça de 1ª instância, e a atribuição para ajuizar tanto a ação civil por ato de improbidade quanto a ação penal passou para os Promotores de Justiça. Agora, decorridos dois anos e sete meses do término da gestão, foram obtidas provas que permitiram a decretação de sua prisão pela Justiça Federal. Essas provas, é importante frisar, decorreram da utilização do instituto da “colaboração premiada”, em que terceiros acusados da prática de crimes, em troca de benefícios, forneceram informações objetivamente eficazes, subsidiando a acusação contra o ex-governador. Apesar de tais provas terem indiscutível relevância em diversas esferas de atuação do Ministério Público Estadual, o seu compartilhamento foi peremptoriamente negado pela Justiça Federal, cerceando-se, em consequência, a atividade persecutória do Parquet fluminense.
Nada obstante, é imperioso enfatizar que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro tem combatido, com seriedade, independência e determinação, os ilícitos praticados no âmbito das estruturas estatais de poder. São centenas de ações judiciais e de outras medidas propostas nesse sentido, seja para responsabilizar agentes públicos, seja para desconstituir atos administrativos. A título de exemplo, citam-se a ação civil por ato de improbidade administrativa ajuizada, há poucos dias, em face do ex-governador Sérgio Cabral, e a prisão do ex-governador Anthony Garotinho, igualmente decretada há poucos dias, a pedido do Ministério Público Estadual, no exercício da função eleitoral. No tocante a atos administrativos que sofreram questionamentos, citam-se as contratações das obras do Estádio do Maracanã, do Arco Metropolitano e da Linha 4 do Metrô, além da concessão de isenções fiscais, cuja suspensão se deu por iniciativa dos Promotores de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania da Capital. Não bastasse isso, atos normativos que concediam benefícios fiscais também foram suspensos pelo Tribunal de Justiça do Estado, a partir de provocação do Procurador-Geral de Justiça.
Apesar das dificuldades, o País respira novos ares. O sentimento de impunidade começa a se dissipar e a população brasileira enche-se de esperança. O oxigênio dessas mudanças é haurido na atuação firme das instituições encarregadas de combater as ilicitudes em todos os níveis, cabendo a elas, em comunhão de ações e de esforços, garantir o primado da ordem jurídica e, particularmente na atual quadra, a lisura e a eficiência na gestão da coisa pública. Por isso mesmo, revelam-se despidas de grandeza e, sobretudo, do mais elementar senso ético, manifestações como a que se contém no já referido decreto de prisão preventiva, em que se insinuam críticas à atuação dos ”órgãos de controle estaduais”, certamente movidas pela busca da glória momentânea, que, se por um lado, atrai os almejados aplausos e holofotes, por outro, potencializa juízos depreciativos que nenhum benefício agregam para o aprimoramento das instituições.
Rio de Janeiro (RJ), 19 de novembro de 2016.
Marfan Martins Vieira
Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
(Dados coletados diariamente)