Artigo das pags 69-79
jul./dez. 2005.
Exercício de funções eleitorais, pelos Promotores de Justiça, perante os Juízes e juntas eleitorais. Poder de designação do Ministério Público Estadual
Artigo
Exercício de funções eleitorais, pelos Promotores de Justiça, perante os Juízes e juntas eleitorais. Poder de designação do Ministério Público Estadual
Autor
Emerson Garcia
Promotor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Resumo
A Constituição da República, arejada pelos influxos democráticos que se espraiaram pelo País com a derrocada do último período autoritário, outorgou ao Ministério Público relevantes atribuições, dentre as quais a de defesa do regime democrático. Além dos instrumentos diretamente relacionados à consecução da atividade finalística da Instituição, foi ela circundada de garantias que, a um só tempo, buscam assegurar sua identidade existencial e afastar a ingerência de fatores exógenos em sua operacionalização, o que, em última ratio, visa a assegurar o livre exercício de suas funções. Entre essas garantias, merecem ser mencionadas a autonomia administrativa e a autonomia funcional da Instituição, asseguradas pelo art. 127, §2º, da Carta de 1988. Autonomia, em essência, é o designativo que indica a prerrogativa de estabelecer a própria normatização a ser seguida, observados os balizamentos traçados pela norma superior que a instituiu. A autonomia funcional resguarda o livre exercício da atividade finalística, enquanto a autonomia administrativa assegura ao Ministério Público a prerrogativa de praticar atos administrativos autoexecutórios relacionados à administração, à aquisição de bens e à gestão dos seus quadros de pessoal. Sob essa última epígrafe, por evidente, se inclui o poder de designar os agentes que exercerão as distintas funções previstas no ordenamento. Identificadas essas duas dimensões da autonomia outorgada ao Ministério Público, é possível concluir pela inconstitucionalidade do art. 79, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93, que assegurou ao Procurador-Regional Eleitoral, membro do Ministério Público Federal, o poder de realizar as designações dos Promotores de Justiça que exercerão funções eleitorais. À mingua de qualquer restrição no texto constitucional, não se questiona a legitimidade do referido diploma legal ao atribuir ao Ministério Público da União o exercício da função eleitoral. A Carta de 1988 não previu a existência de uma Instituição dotada de individualidade própria com a atribuição, única e exclusiva, de exercer a função eleitoral, o que permitiu fosse ela inserida, pela Lei Complementar nº 75/93, no rol de atribuições do Ministério Público Federal. Apesar disso, não se pode confundir o exercício de uma função com o poder de estruturar, organizar e comandar os serviços necessários à sua execução, o que é abrangido pelo espectro da autonomia administrativa. Essa conclusão é robustecida ao constatarmos que, perante os órgãos jurisdicionais de primeira instância, a função eleitoral será exercida por integrantes dos Ministérios Públicos Estaduais. Considerando que tanto o Ministério Público da União como os congêneres estaduais auferem a sua autonomia administrativa na Constituição, não poderia ser ela restringida por uma norma infraconstitucional, que deveria ficar adstrita à regulamentação do exercício funcional. Além do vício material, o preceito analisado é formalmente inconstitucional, pois, ao imiscuir-se no poder de designação dos membros dos Ministérios Públicos Estaduais, adentrou em seara que deveria ser objeto de regulamentação pela Lei Orgânica Nacional, diploma que veicula as normas gerais a serem observadas pelas leis estaduais. Tendo a Lei Complementar nº 75/93 se originado de projeto encaminhado pelo Procurador-Geral da República, está ela dissonante do art. 61, §1º, I, d, da Constituição, que dispõe tratar-se de matéria de iniciativa privativa do Presidente da República. Pelas razões expostas, as designações eleitorais devem ser realizadas em harmonia com o previsto nos arts. 10, IX, h e 73 da Lei nº 8.625/93, que concentram esse poder nos Procuradores-Gerais de Justiça, agentes que exercem as respectivas chefias dos Ministérios Públicos Estaduais.
Abstract
The Brazilian Constitution of the Republic, aired by the democratic inflows that spread throughout the country with the overthrow of the last authoritarian period, has granted the Public Prosecution Service relevant duties, including the defense of the democratic regime. In addition to the instruments directly related to the achievement of the Institution's final activity, it was surrounded by guarantees that, at the same time, seek to ensure its existential identity and ward off the interference of exogenous factors in its operation, which, ultimately, aims at ensuring the free exercise of their functions. Among these guarantees, the Institution's administrative and functional autonomy should be mentioned, ensured by art. 127, paragraph 2, of the Brazilian 1988 Charter. Autonomy, in essence, is the designation that indicates the prerogative of establishing the standard itself to be followed, observing the guidelines outlined by the higher standard that instituted it. Functional autonomy safeguards the free exercise of finalistic activity, while administrative autonomy assures the Public Prosecution Service the prerogative to practice self-executing administrative acts related to administration, the acquisition of assets, and the management of its staff. This last heading, of course, includes the power to designate the agents who will exercise the different functions provided for in the order. Having identified these two dimensions of autonomy granted to the Public Prosecution Service, it is possible to conclude that art. 79, sole paragraph, of Complementary Law No. 75/93, which assured the Regional Electoral Prosecutor, a member of the Federal Public Prosecution Service, the power to carry out the appointments of the Prosecutors who will exercise electoral functions. In the wake of any restriction in the constitutional text, the legitimacy of the aforementioned statute is not questioned by assigning the exercise of the electoral function to the Public Prosecution Service. The Brazilian 1988 Charter did not provide for the existence of an Institution endowed with its individuality with the sole and exclusive attribution of exercising the electoral function, which allowed it to be inserted, by Complementary Law No. 75/93, in the role of the Federal Public Prosecution Service. Despite this, the exercise of a function cannot be confused with the power to structure, organize, and command the services necessary for its execution, which is covered by the spectrum of administrative autonomy. This conclusion is strengthened when we realize that, before the courts of first instance, the electoral function will be exercised by members of the State Public Prosecutors' Offices. Considering that both the Federal Prosecution Service and the state counterparts gain their administrative autonomy in the Constitution, it could not be restricted by an infraconstitutional rule, which should be restricted to the regulation of functional exercise. In addition to material defects, the precept analyzed is formally unconstitutional, since, by immiscing itself in the power of designating the members of the State Public Prosecutors' Offices, it entered into the field that should be subject to regulation by the National Organic Law, a diploma that conveys the general rules to be observed by state laws. Since Complementary Law No. 75/93 is originated from a project sent by the Attorney General, it is inconsistent with art. 61, §1º, I, d, of the Constitution, which provides that it is a matter of private initiative of the President of the Republic. For these reasons, electoral appointments must be carried out in harmony with the provisions of arts. 10, IX, h and 73 of Law 8,625 / 93, which concentrate this power on the Attorneys General of Justice, agents who exercise the respective heads of the State Public Prosecutors' Offices.
Palavras-chave
Exercício de funções eleitorais. Autonomia do Ministério Público. Lei nº 8.625/93.
Keywords
Exercise of electoral functions. Autonomy of the Public Prosecution Service. Law No. 8,625 / 93.
Como citar este artigo
GARCIA, Emerson. Exercício de funções eleitorais, pelos Promotores de Justiça, perante os Juízes e juntas eleitorais. Poder de designação do Ministério Público Estadual. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 22, p. 69-79, jul./dez. 2005.