Revista Nº 19 Resumo

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ARTIGO DA REVISTA N° 19

jan./jun. 2004.

Direitos humanos e orientação sexual: a efetividade do princípio da dignidade

19 Artigo

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Direitos humanos e orientação sexual: a efetividade do princípio da dignidade

Artigo

Direitos humanos e orientação sexual: a efetividade do princípio da dignidade

Autor

Rosana Barbosa Cipriano Simão

Promotora de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.

Resumo

A história da Humanidade comporta muitas mudanças de valores, sendo certo que os conceitos morais vigentes são variáveis conforme parâmetros de tempo e espaço. A superestrutura, in casu, organização jurídica reflete os padrões culturais vigentes. Partindo-se de uma visão globalizada, verifica-se uma tendência no sentido de enfatizar o ser humano, é dizer, o aparato jurídico serve de instrumento para realização da pessoa e proteção dos chamados Direitos da Personalidade, em especial, promoção da dignidade humana. Nesse contexto, compreende-se que a orientação sexual de cada indivíduo integra o complexo subjetivo inerente à sua personalidade e, por via de consequência, sua livre manifestação é objeto de proteção por parte do Estado que se pretende Democrático de Direito. Mediante um panorama histórico da evolução do tema da sexualidade, verifica-se que os desvios dos "padrões sexuais de normalidade" eram analisados sob diversos enfoques, delimitando-se os extremos de total ojeriza a uma social tolerância, passando-se por considerações de ordem patológica, distúrbio psicológico/psiquiátrico, opção de vida e orientação sexual. O ordenamento jurídico pátrio, em consonância com a tendência mundial, prestigia os princípios de defesa dos Direitos Humanos consagrando, em sede constitucional, os direitos fundamentais, sendo inequívoca a íntima relação da liberdade de orientação sexual e os valores de Liberdade, Igualdade e Dignidade. A questão das uniões homoafetivas encontra resguardo nas novas tendências do Direito de Família, tendo em vista que o eixo central da ideia de entidade familiar deslocou-se do grande formalismo da celebração matrimonial para a livre manifestação do afeto. Presentes, portanto, alguns requisitos peculiares de constituição familiar, evidente a necessidade de tutela específica das entidades que se formam à margem das solenidades antigamente idolatradas. A produção de efeitos patrimoniais não mais é um fim em si mesmo senão uma natural consequência das uniões estáveis estabelecidas e baseadas no amor (independentemente de tratar-se de ligações hétero ou homossexuais). Não basta identificar o problema evidenciado pelo preconceito, pois isso só fomentaria as discriminações existentes em torno do assunto, mas apresentar soluções juridicamente viáveis para disciplinar as novas situações apresentadas. Sugere-se uma atividade de integração do direito mediante utilização do método de interpretação sistemática, recurso aos Princípios de Interpretação da Constituição e emprego da analogia. Assim sendo, contorna-se a suscitada questão de inconstitucionalidade do §3º do art. 226 da Constituição Federal brasileira mediante cotejo de referido dispositivo com o disposto nos arts. 1º, inc. I; 3º, inc. IV; 5º, caput, incs. I, II e III e parágrafo 2º, 7º, inc. III; e o preâmbulo da Carta Magna, que positiva os mais lídimos reclamos da justiça. Há, pois, uma melhor compreensão das questões de orientação sexual como vertente dos Direitos Humanos merecendo proteção como tal. Nesse contexto, o MINISTÉRIO PÚBLICO assume papel de especial relevância, tendo em vista que atua como guardião da Constituição da República Federativa do Brasil, soldado combatente da justiça e fiscal da efetividade dos direitos e garantias individuais. A livre manifestação da sexualidade insere-se no espectro das prerrogativas inerentes à personalidade humana, sendo seu reconhecimento um reclamo do Princípio da Dignidade consagrado pela Carta Constitucional. Os operadores do Direito só fazem Justiça e o ordenamento jurídico só adquire contornos de legitimidade ao refletirem as mudanças sociais e, na matéria em comento, o tratamento jurídico adequado é aquele que não compactua com discriminações e que entende que toda forma de amor vale a pena.

Abstract

The history of Humanity involves many changes in values, being certain that the current moral concepts are variable according to parameters of time and space. The superstructure, in casu, legal organization reflects current cultural standards. Starting from a globalized view, there is a tendency towards emphasizing the human being, that is to say, the legal apparatus serves as an instrument for the realization of the person and protection of the so-called Personality Rights, in particular, promotion of human dignity. In this context, it is understood that the sexual orientation of each individual integrates the subjective complex inherent to their personality and, as a result, their free expression is the object of protection by the State that intends to be a Democratic Law. Through a historical overview of the evolution of the theme of sexuality, it appears that the deviations from the "sexual standards of normality" were analyzed under different approaches, delimiting the extremes of total disgust to social tolerance, passing through considerations of pathological, psychological/psychiatric disorder, life choice, and sexual orientation. The national legal system, in line with the world trend, gives prestige to the principles of defense of Human Rights, establishing, in constitutional terms, fundamental rights, with an unequivocal relationship between freedom of sexual orientation and the values ¿¿of Freedom, Equality, and Dignity. The issue of same-sex unions finds protection in the new trends in Family Law, considering that the central axis of the idea of ¿¿a family entity has shifted from the great formalism of the marriage celebration to the free expression of affection. Therefore, there are some peculiar requirements of a family constitution, evident the need for specific guardianship of the entities that are formed on the margins of solemnities formerly idolized. The production of patrimonial effects is no longer an end in itself but a natural consequence of the Brazilian stable unions established and based on love (regardless of whether they are heterosexual or homosexual connections). It is not enough to identify the problem evidenced by prejudice, as this would only encourage existing discrimination around the subject, but to present legally viable solutions to discipline the new situations presented. An activity to integrate the law is suggested using the systematic interpretation method, using the Brazilian Constitution's Interpretation Principles, and using the analogy. Therefore, the question of the unconstitutionality of paragraph 3 of art. 226 of the Brazilian Federal Constitution by comparing said provision with the provisions of arts. 1st, item I; 3rd, item IV; 5th, caput, items I, II and III, and paragraph 2, 7, item III; and the preamble of the Brazilian Magna Carta, which welcomes the most legitimate claims of justice. There is, therefore, a better understanding of sexual orientation issues as a human rights aspect deserving protection as such. In this context, the Public Prosecution Service assumes a role of special relevance, considering that it acts as guardian of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, a soldier who fights for justice and inspector of the effectiveness of individual rights and guarantees. The free expression of sexuality is part of the spectrum of prerogatives inherent to the human personality, its recognition is a claim to the Principle of Dignity enshrined in the Brazilian Constitutional Charter. Operators of law only do justice and the legal system only acquires contours of legitimacy when reflecting social changes and, in the matter at hand, the appropriate legal treatment is one that does not agree with discrimination and that understands that every form of love is worthwhile.

Palavras-chave

Orientação sexual. Direitos humanos. Direitos da Personalidade. Princípio da dignidade. Princípio de Interpretação da Constituição.

Keywords

Sexual orientation. Human rights. Personality Rights. Principle of dignity. Principle of Interpretation of the Brazilian Constitution.

Como citar este artigo

SIMÃO, Rosana Barbosa Cipriano. Direitos humanos e orientação sexual: a efetividade do princípio da dignidade. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 19, p. 259-280, jan./jun. 2004.