Artigo das pags 245-258
jan./jun. 2004.
Imputação como base para a análise das hipóteses de suspensão condicional do processo
Artigo
Imputação como base para a análise das hipóteses de suspensão condicional do processo
Autor
Pedro Rubim Borges Fortes
Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.
Resumo
Trata o presente trabalho de uma questão de enorme interesse prático, que, tanto em sede doutrinária quanto através da aplicação jurisprudencial na seara de nossos Tribunais, não tem merecido nem a atenção necessária nem o tratamento adequado - a utilização da imputação como única e exclusiva base para a análise das hipóteses de suspensão condicional do processo. A doutrina permanece em silêncio a respeito da questão, deixando os doutos autores de esclarecerem que o Promotor de Justiça deverá sempre se valer da imputação como base para aferir se a hipótese é ou não é de suspensão condicional do processo. Já a Jurisprudência revela, através de um terrível mosaico de decisões teratológicas, que a aplicação cotidiana do instituto tem se caracterizado como uma verdadeira panaceia. A suspensão condicional do processo parece, às vezes, ter se tornado um remédio jurídico para várias situações processuais, de aplicação fácil e imediata, cujo objetivo seria afastar uma eventual condenação do acusado. Encarado como se supostamente fosse uma solução para todos os males processuais, cada Magistrado concebe de uma maneira distinta o sursis processual e, assim, estipula critérios variados para a sua aplicação. Em regra, desnaturam o instituto, violentam-lhe os objetivos e violam prerrogativas funcionais do Ministério Público intimamente relacionadas com a persecutio criminis in judicio. Não é raro, também, verificar Promotores de Justiça que, acreditando estarem resguardando direitos subjetivos dos acusados, deixam de aplicar corretamente o instituto. Diante deste quadro, é fundamental ressaltar que a imputação deve ser utilizada como única e exclusiva base para a análise das hipóteses de suspensão condicional do processo. Tal orientação é a única consentânea com a origem do instituto, sua natureza, sua finalidade e seus princípios. Afinal de contas, a proposta de suspensão condicional do processo deve ser concebida como uma espécie de "barganha", de negociação entre a acusação e a defesa, com a possibilidade de se evitar o prosseguimento de um processo mediante o cumprimento de certas condições, sem que isto signifique a assunção de qualquer culpa por parte do réu. Não é por acaso que o momento oportuno para a proposta de suspensão condicional do processo é por ocasião do oferecimento da denúncia, quando, no início do processo criminal, se imputa ao acusado a prática de um fato criminoso. Não há, em regra, até este momento, a produção de quaisquer provas sob o crivo do contraditório. Não há nenhum elemento que permita uma análise sobre o mérito da causa. É a ocasião oportuna para a realização de uma "barganha" entre a acusação e a defesa. Após a colheita das provas e análise do mérito da causa, não há mais espaço para qualquer negociação entre a acusação e a defesa. Ao acusado, diante da certeza de que será condenado judicialmente, não lhe restará qualquer alternativa diversa de aceitar a suspensão condicional do processo. Pois bem, se não existe alternativa para uma das partes, logo, não existe negociação ou "barganha". A negociação não se confunde com imposição. Para que haja uma negociação, é preciso que uma das partes tenha liberdade para concordar ou se recusar a assumir obrigações espontaneamente. Assim é que não pode o mérito servir para a análise das hipóteses de suspensão condicional do processo; apenas a imputação pode ser utilizada para este fim.
Abstract
The present work deals with an issue of enormous practical interest, which, both in terms of doctrine and through the application of jurisprudence in the area of ¿¿our Brazilian Courts, has received neither the necessary attention nor adequate treatment - the use of imputation as the sole and exclusive basis for the analysis of the hypotheses of the conditional suspension of the process. The doctrine remains silent on the matter, leaving the learned authors to clarify that the Prosecutor should always use the imputation as a basis to assess whether the hypothesis is or is not a conditional suspension of the process. Jurisprudence, on the other hand, reveals, through a terrible mosaic of teratological decisions, that the daily application of the institute has been characterized as a true panacea. The conditional suspension of the process seems, at times, to have become a legal remedy for several procedural situations, of easy and immediate application, whose objective would be to remove an eventual conviction of the accused. Seen as if it were supposed to be a solution to all procedural evils, each Magistrate conceives procedural cases in a different way and, thus, stipulates different criteria for their application. As a rule, they denature the institute, violate its objectives, and violate the functional prerogatives of the Public Prosecution Service closely related to the persecutio criminis in judicio. It is also not uncommon to see Prosecutors who, believing that they are protecting the subjective rights of the accused, fail to properly apply the institute. In view of this situation, it is essential to emphasize that the imputation should be used as the sole and exclusive basis for the analysis of the hypotheses of the conditional suspension of the process. Such guidance is the only one consistent with the origin of the institute, its nature, its purpose, and its principles. After all, the proposal for conditional suspension of the process must be conceived as a kind of "bargain", of negotiation between the prosecution and the defense, with the possibility of avoiding the continuation of a process through the fulfillment of certain conditions, without this means that the defendant assumes no guilt. It is not by chance that the opportune moment for the proposal of the conditional suspension of the process is when the complaint is offered, when, at the beginning of the criminal process, the accused is accused of the practice of a criminal fact. As a rule, there is not, until this moment, the production of any evidence under the sieve of the adversary. There is no element that allows an analysis of the merits of the case. It is an opportune time for a "bargain" to be made between the prosecution and the defense. After the collection of evidence and analysis of the merits of the case, there is no more room for any negotiation between the prosecution and the defense. The accused, given the certainty that he or she will be sentenced to court, will have no alternative but to accept the conditional suspension of the process. Well, if there is no alternative for one of the parties, then there is no negotiation or "bargain". Negotiation is not to be confused with imposition. For a negotiation to take place, one of the parties must be free to agree or refuse to assume obligations spontaneously. Thus, the merit cannot be used to analyze the hypotheses of the conditional suspension of the process; the only imputation can be used for this purpose.
Palavras-chave
Imputação. Reação defensiva. Suspensão condicional do processo. Processo criminal.
Keywords
Imputation. Defensive reaction. Conditional suspension of the process. Criminal process.
Como citar este artigo
FORTES, Pedro Rubim Borges. Imputação como base para a análise das hipóteses de suspensão condicional do processo. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 19, p. 245-258, jan./jun. 2004.