Notícia
Notícia
Originalmente publicado em 10/12/2018
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos (SUBCDH/MPRJ) e do Grupo de Atribuição Originária em Matéria Criminal (GAOCRIM/MPRJ), denunciou à Justiça o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves Barreto, o ex-secretário municipal de Obras do município Domício Mascarenhas de Andrade e mais três empresários do ramo de transporte público rodoviário. Eles são acusados de integrar uma organização criminosa para a prática dos crimes de corrupção ativa e passiva. O esquema foi articulado para o recebimento de propina paga por empresários do setor aos agentes públicos da cidade. De acordo com a investigação realizada pelo MPRJ em parceria com a Polícia Civil, entre os anos de 2014 e 2018, foram desviados aproximadamente R$ 10,9 milhões dos cofres públicos para pagamentos ilegais.
A pedido do MPRJ, o Tribunal de Justiça expediu mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão contra os acusados, cumpridos na manhã desta segunda-feira (10/12). A Operação Alameda foi executada pela Polícia Civil, pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ) e pela Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI/MPRJ). Além das residências dos acusados, as buscas alcançam também o gabinete do prefeito, as sedes de oito empresas de ônibus que prestam serviço no município, além de escritórios dos consórcios Transoceânico e Transnit, e do Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (SETRERJ).
A ação é um desdobramento da Operação Lava Jato no âmbito da Justiça Estadual, após adesão do MPRJ aos termos e condições do acordo de colaboração premiada celebrado pelo empresário Marcelo Traça com o Ministério Público Federal e do compartilhamento de provas autorizado pelo Juízo da 7ª Vara Federal.
Como funcionava o esquema
De acordo com a denúncia, o prefeito Rodrigo Neves e o ex-secretário municipal de Obras e Infraestrutura e ex-conselheiro de administração da Nittrans, Domício Mascarenhas de Andrade integram o núcleo político da organização criminosa que solicitou vantagens indevidas e desviou recursos públicos decorrentes dos contratos de concessão em proveito próprio. Por eles, eram cobrados 20% sobre os valores pagos pelo Poder concedente em favor das empresas consorciadas a título de reembolso da gratuidade de passagens, previsto para alunos da rede pública, pessoas idosas e portadores de deficiência. A denúncia também aponta que a administração municipal controlava a liberação dos recursos pagos aos consórcios pela gratuidade, retardando a liquidação das despesas e o pagamento como forma de pressionar as empresas a repassarem os valores indevidos. Em troca, apoiava projetos de interesse do setor e incrementava as atividades de combate ao transporte clandestino.
O núcleo econômico era formado por executivos do setor de transporte coletivo de Niterói que ofereceram e entregaram vantagens indevidas, os denunciados João Carlos Felix Teixeira, presidente e sócio-administrador do Consórcio Transoceânico, e João dos Anjos Silva Soares, presidente do consórcio Transnit.
Ainda de acordo com a denúncia, os encontros e reuniões junto ao setor de transportes foram realizados, entre abril de 2014 até os dias atuais, com a participação de Domício e os representantes das empresas-líderes dos consórcios, João Carlos e João dos Anjos, sempre por intermédio do também denunciado Marcelo Traça, que já que exerceu o cargo de vice-presidente do Conselho de Administração da Fetranspor, bem como a posição de presidente do SETRERJ, entre os anos de 2007 e 2017. Os locais dos encontros eram restaurantes, shoppings e na própria sede da SETRERJ, apelidada de “alameda”. Segundo a denúncia, os empresários exerciam a função de receber e arrecadar de cada empresa integrante dos consórcios Transoceânico e Transnit os valores relativos ao percentual ilícito para repasse aos agentes públicos. Eles transferiam pacotes de dinheiro vivo para uma mochila levada por Domício. Traça, que fazia ponte entre os núcleos político e econômico, foi preso em julho de 2017 na Operação Ponto Final, e foi colaborador da atual investigação.
Entre as provas colhidas pelo MPRJ da atuação de Rodrigo Neves e sua relação com Domício Mascarenhas, apontado pela investigação como operador do prefeito para a cobrança de propinas, está o depoimento de outro réu colaborador, o empresário Renato Pereira. Segundo o colaborador, ao relatar o impasse na negociação de valores de propaganda a serem gastos na campanha à reeleição, Rodrigo Neves propôs ao empresário o pagamento das despesas via caixa 2, tendo o colaborador afirmado que Domício era o “braço financeiro”da campanha e teria mencionado a possibilidade de efetuar pagamentos utilizando o dinheiro da propina arrecadado junto aos empresários do ramo de transportes da cidade. A declaração corrobora com as do denunciado Marcelo Traça quanto aos pagamentos de propina realizados pelo SETRERJ e a forma de atuação dos agentes públicos.
Pelos cálculos dos investigadores, somando-se os pagamentos realizados no exercícios financeiros de 2014 até 2018, foram pagos a título de gratuidade pelo município de Niterói aos consórcios o montante de R$ 28.857.761,66 em favor do consórcio Transoceânico e R$ 26.054.058,01 em favor do consórcio Transnit. Então, do percentual de retorno de 20% praticado a título de propina aplicável sobre a totalidade dos recursos públicos liquidados e pagos, a organização criminosa integrada pelos denunciados recebeu, no intervalo temporal de apenas quatro exercícios financeiros, a quantia de pelo menos R$ 10.982.363,93, desviada do erário municipal. O levantamento foi realizado a partir de consultas e cruzamento de dados, em fontes oficiais, pelo Laboratório de Análise de Orçamentos e de Políticas Públicas (LOPP/MPRJ).
Para o MPRJ, o esquema denunciado configura uma “reprodução adaptada para o Município de Niterói do grave esquema de corrupção evidenciado pela Operação Lava- Jato no âmbito do Governo do Estado do Rio de Janeiro em suas relações espúrias com a Fetranspor”.
Pelos crimes de organização criminosa e contra a Administração Pública, sobretudo, corrupção ativa e passiva, os denunciados estão sujeitos às penas do artigo 2 §2º, II e IV da Lei 12.850/13 e dos artigos 317 e 333 do Código Penal, respectivamente. O MPRJ também requereu junto à Justiça, a fixação de multa para reparação dos danos causados de, no mínimo, R$ 10.982.363,93. O Tribunal de Justiça ainda acolheu requerimento ministerial e determinou a suspensão do exercício das funções públicas dos acusados Rodrigo Neves e Domício Mascarenhas.
Processo n. 0068811-80.2018.8.19.0000
* Os consórcios Transoceânico (Viação Pendotiba, Santo Antonio, Expresso Miramar e Viação Fortaleza) e Transnit (Auto Lotação Ingá, Transportes Peixoto, Expresso Barreto, Auto Ônibus Brasília e Viação Araçatuba) são responsáveis pelo serviço público de transporte coletivo em Niterói, delegados por contratos de concessão. Todas as empresas são vinculadas ao Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (SETRERJ), que teve como presidente o denunciado Marcelo Traça, entre os anos de 2007 e 2017. O grupo é vinculado à Fetranspor, entidade que congrega 10 sindicatos de empresas de ônibus responsáveis por transporte urbano, interurbano e de turismo e fretamento. Os sindicatos reúnem mais de 200 empresas de transportes de ônibus, que respondem por 81% do transporte público regular no Estado do Rio de Janeiro.
(Dados coletados diariamente)